No próximo dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela, as ruas de Salvador irão ecoar vozes e lutas da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver. O ato, cuja concentração será às 14h na Praça da Piedade, seguirá em direção à Praça Terreiro de Jesus, no Centro Histórico da capital. A mobilização se soma a diversas iniciativas no Brasil rumo à 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras, que pretende levar um milhão de pessoas para Brasília (DF) no dia 25 de novembro.
O ato também compõe um dos momentos centrais do Julho das Pretas, uma agenda de incidência coletiva do movimento de mulheres negras. Criado na Bahia em 2013 pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, o Julho das Pretas hoje é organizado pela Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), pela Rede de Mulheres Negras do Nordeste e pela Rede Fulanas – Negras da Amazônia Brasileira. A ação se tornou uma das maiores mobilizações políticas de mulheres negras da América Latina. Neste ano, a agenda oficial conta com mais de 600 atividades, que reúnem cerca de 250 organizações em 18 estados e Distrito Federal, além de agendas em diversos países, como Colômbia e Reino Unido.
Para Naiara Leite, coordenadora executiva do Odara, a mobilização recorde deste ano do Julho das Pretas é uma expressão do papel das mulheres negras na afirmação de um projeto político dentro e fora do Brasil.
“É extremamente importante para a gente pensar como a luta das mulheres negras é uma luta transnacional, ela é uma luta que fortalece uma agenda de transformação real que não impacta apenas o cenário brasileiro a partir da luta das mulheres negras, mas impacta também outras realidades.”
Por Reparação e Bem Viver
Reparação e Bem Viver são as bandeiras de luta que orientam o Julho das Pretas neste ano, trazendo como perspectiva o resgate histórico do processo de colonização e escravização das pessoas negras, bem como seus impactos no Brasil até os dias atuais. Para Leite, falar de Reparação Racial é, também, revisitar o passado sistematicamente invisibilizado do nosso país.
“[O tema da Reparação] vai apontar a importância de trabalhar com perspectivas relacionadas à memória, à memória nacional, à memória da luta racial no Brasil, à memória de como a sociedade brasileira se organizou e se estruturou a partir da violência e desse projeto de genocídio que extermina, invisibiliza, exclui, subalterniza as populações negras e as mulheres negras”, explica.

A coordenadora também analisa que no contexto de violência racial, letalidade de crianças e jovens negros, das disputas de território quilombola e das tentativas de apagamento da participação negra no Brasil, o debate de reparação é estratégico e aponta os caminhos para se pensar o futuro no Brasil.
“Não existe pensar justiça racial no Brasil, justiça restaurativa, justiça de cura no Brasil, se a gente não tem reparação. Não existe pensar democracia em um país que não reparou os danos do maior crime cometido na humanidade”, salienta Leite.
Já o Bem Viver, por sua vez, é apontado pela coordenadora como uma perspectiva ética e política que traz para o centro o respeito às formas organizativas que comunidades negras e indígenas vêm constituindo ao longo da história e se apresenta a uma contraposição ao modelo capitalista vigente.
“O Bem Viver, nesse contexto de disputa de projeto político que as mulheres negras têm protagonizado, é extremamente central para a gente construir e imaginar de maneira radical outra sociedade. Uma sociedade que seja possível para todas as pessoas, uma sociedade que não exclua e não hierarquize a participação política, que não subalternize e não retire a vida de nenhuma pessoa, que assegure condições de humanidade para todas as pessoas e de direitos.”
Rumo à 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras
As atividades relacionadas ao Julho das Pretas também trazem a centralidade da mobilização para a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que ocorrerá em Brasília no dia 25 de novembro, com a perspectiva de mobilizar um milhão de mulheres. Essa iniciativa acontece 10 anos depois da primeira marcha, que levou mais de 50 mil mulheres às ruas da capital federal. Leite relembra que, assim como neste ano, o primeiro protesto também foi fortalecido pelas agendas de julho.

“O Julho das Pretas foi fundamental na marcha de 2015, inclusive a partir de 2014. O julho é criado em 2013, e a partir de 2014, quando a gente também traz o julho como uma grande estratégia de alavancar e potencializar as ações de mobilização e articulação e de incidência política rumo à primeira Marcha das Mulheres Negras, ele passa a ter essa amplitude nacional de maneira muito rápida e de maneira muito forte no Brasil”.
A coordenadora aponta que, em 2025, já são mais de 97 comitês impulsores da marcha em todo o país, e que, neste mês, todos estão voltados para o fortalecimento da mobilização nacional.
“Cada uma do seu jeito, cada uma com a sua linguagem, cada uma com a sua agenda e fortalecendo essa grande agenda que é de denúncia do racismo, mas que é também de apresentação desse projeto político que as mulheres negras têm forjado nesse país circularmente e do ponto de vista contemporâneo há mais de 40 anos”, aponta.