A dimensão política é indissociável da conceitualização que deve ser feita acerca do letramento racial. As mudanças e transformações da realidade brasileira hoje sobretudo nas áreas de vulnerabilidade social passam por novos modos de compreender identidades bem como ressignificar a história brasileira.
Letramento racial pressupõe a racialização das relações sociais que nada mais é, segundo o Portal Geledés, “do que o estabelecimento arbitrário de direitos e lugares hierarquicamente diferentes para brancos e não-brancos, que legitima uma pretensa supremacia do branco”.
Nesse contexto a educação e a arte crescem de importância pois a escolha de conteúdos a serem repassados sendo esse um momento crucial em que pode colocar em prática o combate ao racismo. Conforme Neide de Almeida: “O racismo pode (e precisa) ser desconstruído, combatido, o que implica necessariamente lutar para que todos sejam efetivamente reconhecidos como cidadãos e que tenham de fato seus direitos garantidos.”
Na direção dessa compreensão é preciso reconhecer que nossa sociedade é “organizada a partir de uma perspectiva eurocêntrica e orientada pela lógica do privilégio do branco, com uma falsa e insustentável ideia de igualdade, porque o racismo é estrutural e institucional”, afirma Lia Vainer Schuman.
Um dos modos de enfrentamento à complexa problemática exposta acima é entender a importância do comunitário como instância de fortalecimento da participação social em que ações afirmativas por exemplo não podem ser apenas pautadas por negros.
Urge pensar na necessidade de ação de brancos e brancas pautando também ações afirmativas através da compreensão do que significa uma política efetiva de letramento racial hoje no Brasil. Nesse contexto a Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc são elementos balizadores que podem “enegrecer” o assunto onde há uma porcentagem relevante destinada aos premiados nessa perspectiva de inclusão da população negra.
No Prêmio Trajetórias Culturais – Mestra Sirley Amaro (SEDAC RS) em 2021 não por acaso acendeu-se um debate acalorado que serviu também para uma discussão política mais ampla acerca das distorções históricas perpetuadas no Brasil e sobretudo oferecendo alternativas concretas para combater tais processos de exclusão capitaneados hereditariamente. Estamos falando de oportunidades a uma população historicamente excluída no Brasil e que foi base indispensável da construção econômica do país através da mão de obra escravizada vinda do tráfico negreiro desde o continente africano.
A violência urbana que assola as populações periféricas e o consequente genocídio da população negra vêm sendo combatidos num espectro ampliado de ações de inclusão educacional e cultural. No grande complexo da Vila Bom Jesus em Porto Alegre pode-se citar ações como criação de espaços de leitura (biblioteca comunitária), ainda geladeirotecas dentre outros espaços no combate ao racismo, contra a exclusão social, má distribuição de renda, aporofobia, etc.
Ali bem perto na Vila Ipiranga ressalta-se a criação do Museu do Hip Hop apresentando alternativas relevantes de inclusão social numa linguagem também afeita a juventude negra quando expõe o protagonismo cultural do rap, break, grafite, etc através dessa histórica expressão diaspórica que completou 40 anos no Brasil e 50 no mundo em 2023.
Na Restinga destaca-se também a TV Restinga que através da comunicação livre e comunitária também vem pautando saúde e ação social, arte e educação, dentre outros aspectos. No bairro Cristal ressalta-se a importância do Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo que em 2024 completa 16 anos oferecendo espaço de socialização e integração comunitária em seus diferentes núcleos criativos e sendo parte da política Cultura Viva implementada desde a gestão Lula quando Gilberto Gil foi ministro da Cultura.
Assim na diversidade de instituições e pessoas envolvidas no combate ao racismo e na luta contra as desigualdades sociais pode-se enxergar a importância do letramento racial como elemento indispensável na realidade brasileira em prol de uma sociedade mais justa e igualitária onde haja efetiva participação da população negra.
* André de Jesus, Ator/Ponteiro de Cultura, Locutor, ArteAtivista e Produtor Cultural.
** Richard Serraria, poeta/cancionista e tocador de Sopapo, Dr. Estudos Literários Ufrgs.
*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.