Quem apaga a luz?

Do apoio ao impeachment: a cronologia do isolamento de Bolsonaro pela direita

Em 18 meses, presidente vê base ruir e perde importantes apoiadores; relembre quem saiu e quem ficou no bolsonarismo

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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O ex-juiz Sérgio Moro é um dos aliados que romperam com Jair Bolsonaro depois de ter acesso aos bastidores do governo - Foto: José Cruz/Agência Brasil

Apenas 18 meses após subir a rampa do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro (sem partido) já rompeu com sua base mais sólida, que o garantia articulação com os estados, o Congresso Nacional e seus seguidores nas redes sociais. Entre figurações nas páginas policiais e baixos índices econômicos, o presidente viu sua popularidade cair e teve que se render ao "Centrão" para que o impeachment não se tornasse, agora, uma realidade.

Saiba mais: Por que Bolsonaro busca aliança com o Centrão, grupo que considera “o que há de pior”

As últimas dissidências fizeram com que a direita passasse a se somar com a esquerda na oposição a Bolsonaro. Publicamente, aliados do presidente anunciam arrependimento pelo voto no atual presidente e pedem seu impeachment. O caso mais recente, e talvez mais emblemático, é o do escritor Olavo de Carvalho, figura que inspirou o movimento bolsonarista.

“Você presencia o crime em flagrante e não faz nada contra eles. Isso se chama prevaricação. Quer tomar um processo de prevaricação de minha parte? Se esse pessoal não consegue derrubar o seu governo, eu derrubo”, afirmou Carvalho, que desafiou: “Continue covarde e eu derrubo essa merda de governo aconselhado por generais covardes ou vendidos.”

Para o cientista político Rudá Ricci, a falta de habilidade política e humana do presidente é o motor propulsor para a lista interminável de desafetos que ele cultiva. “Ele é incompetente tecnicamente, é um governo frágil, que não consegue elaborar respostas para nenhum setor. É um governo fraco que não consegue segurar suas bases. O que funcionou na eleição para o Bolsonaro, se tornou um problema depois de eleito. Ele não conseguiu trabalhar a política focalizada, ele continuou fazendo discursos genéricos, sem falar com grupos específicos. Assim, acabou perdendo musculatura.”

Bebianno

Olavo de Carvalho é a ponta de uma corda, que começou a ser tecida no segundo mês do governo, no dia 18 de fevereiro, quando um dos principais articuladores da candidatura de Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno foi demitido do governo.

O que funcionou na eleição para o Bolsonaro, se tornou um problema depois de eleito.

Um dos primeiros integrantes do novo governo, anunciado logo após as eleições de 2018, Bebianno atuava como advogado de Bolsonaro desde 2017 e presidiu o PSL durante a campanha presidencial que levou o ex-capitão ao Palácio do Planalto. No dia 10 de fevereiro de 2019, se tornou público que a legenda utilizou candidaturas laranjas durante o pleito eleitoral.

O que se viu a seguir, foi uma pequena amostra dos métodos da família Bolsonaro. Após Bebianno afirmar que conversou com o presidente sobre a crise, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), segundo filho do presidente, veio a público e afirmou que o ministro mentia sobre os telefonemas.

Segundo o portal G1, Bebianno se irritou e teria afirmado a interlocutores próximos: “Preciso pedir desculpas ao Brasil por ter viabilizado a candidatura de Bolsonaro. Nunca imaginei que ele seria um presidente tão fraco”. O ex-ministro foi exonerado no dia 18 de fevereiro de 2019.

Um ano após a demissão, em março de 2020, Bebianno sofreu um infarto e morreu. Meses antes do óbito, ele concedeu entrevistas afirmando manter um acervo das suas conversas com o presidente e que essa seria sua garantia de que nada lhe aconteceria. Hoje, o celular de Bebianno está no Brasil com sua família e os diálogos com Bolsonaro ainda não se tornaram públicos.

Sem partido

O imbróglio culminou na ruptura de Bolsonaro com o PSL, legenda que teve exponencial crescimento nas eleições de 2018 na carona do presidente. A saída do governante foi uma vitória de Luciano Bivar, presidente do partido, que encontrou uma aliada inesperada, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP).

Uma das mais entusiasmadas defensoras da candidatura de Jair Bolsonaro à presidência, Hasselmann viu seu prestígio ruir em 17 de outubro de 2019, quando foi retirada da liderança do governo no Congresso Nacional, após diversos embates com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também filho do presidente e o único da família a se manter no partido.

O Brasil precisa de um líder com sanidade mental.

Já em 24 de março deste ano, insatisfeita com a forma com que Bolsonaro conduziu o país durante a pandemia da covid-19, Joice defendeu a saída do ex-capitão da presidência e o atacou. “Foi irresponsável, inconsequente e insensível. O Brasil precisa de um líder com sanidade mental. Todas as chances que o presidente teve de acertar ele jogou fora. Erra e se orgulha do erro estúpido.”

Outro arrependido, é o deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP), que rompeu com o presidente e seus filhos. “Peço desculpas ao Brasil por ter me enganado e prometo que vou ajudar o Congresso Nacional a colocar o país no rumo certo.”

Acompanhante de outrora, o Movimento Brasil Livre (MBL), do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), também saltou do governo e protocolou, no dia 27 de abril, um pedido de impeachment de Bolsonaro. Para o grupo, o presidente comete crime quando incentiva e comparece em manifestações que pedem o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Lavajatismo e negociatas

O cume da decepção dos bolsonaristas com seu líder foi com saída de Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública. O magistrado se rebelou contra o chefe após Bolsonaro determinar a troca de comando na Polícia Federal, manobra que foi encarada como uma tentativa do presidente de proteger os filhos, alvos de investigação do órgão.

A saída do delegado Marcelo Valeixo foi feita à revelia de Moro, que pediu demissão e não teve dúvida em atirar Bolsonaro aos leões. "Insistir no populismo, que até agora nada ajudou contra a pandemia ou para recuperar a economia, não parece ser o melhor caminho. É melhor, como outros já disseram, 'colocar a bola no chão', agir com prudência, observar a lei, respeitar as instituições, buscar o consenso necessário para combater a pandemia, assim protegendo as pessoas, bem como para recuperar empregos e a economia", afirmou o ex-ministro no dia 3 de junho deste ano, em artigo publicado em O Globo.

Também pegaram mal na base bolsonarista os vídeos do presidente com luminares da corrupção como Arthur Lira (Progressista-AL), réu na Operação Lava Jato.

Com as relações no Congresso arruinadas, Bolsonaro agora acena para o centrão e oferece cargos. Exemplo recente foi a recriação do Ministério das Comunicações e a nomeação de Fábio Faria (PSD-RN), genro de Silvio Santos, para o comando da pasta.

Outro notório ex-apoiador nas redes sociais é o youtuber Nando Moura, que esteve no Palácio do Planalto acompanhando a posse de Jair Bolsonaro. Lá, teve acesso ao presidente e demais convidados. O prestígio com a família vinha de longa data, a primeira entrevista com o hoje presidente, para o seu canal, foi em 2016.

A ruptura veio em 2019 e, desde então, Moura passou a atacar Bolsonaro e seus aliados nas redes sociais. Após as alianças com o centrão, o youtuber voltou à carga. Em longo debate com bolsonaristas no Twitter, afirmou. “Hoje somos um Estado pária, todos os acordos que demoraram anos para serem costurados correm o risco de virar pó. Nossa moeda é a que mais se desvalorizou no mundo.”

 


Arte: Michele Gonçalves/Brasil de Fato

Relação com os estados

O rompimento com os governadores dos estados mais ricos do país, o paulista João Dória (PSDB) e o fluminense Wilson Witzel (PSC), significou o começo da perda de articulação de Bolsonaro com as unidades da Federação. Durante a pandemia, a relação se agravou. O tucano e o presidente passaram a se atacar diariamente, via imprensa.

“Saia da bolha presidente Bolsonaro. Saia da bolha do ódio e comece a ser um líder. Se for capaz”, afirmou Doria, após se tornar público que o ex-capitão pediu a empresários que pressionassem o pressionassem para que autorizasse atividades comerciais no estado durante a pandemia do coronavírus.

A inércia de Bolsonaro diante das milhares de mortes no país, em decorrência da contaminação por coronavírus, fez com que governadores se articulassem em uma frente para se contrapor ao governo federal.

Saia da bolha do ódio e comece a ser um líder.

Cláudio Couto, cientista político e coordenador do Mestrado em Gestão Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que as pretensões políticas do entorno dos aliados de Bolsonaro motivaram rupturas.

“Por razões diferentes, ele criou diferença com todo mundo, com o próprio partido e seus aliados. Eu entendo porque isso ocorre pela paranoia. Em primeiro lugar, o Bolsonaro enxerga inimigos em todos os lados e não confia em ninguém. Ao não confiar em ninguém, ele começa a encontrar motivos para ter conflitos com essas pessoas. Ele toma decisões que não fazem sentido, ele arranja brigas sem necessidade, ele vai na conversa dos seus filhos, que também nutrem essa paranoia, e é por isso que ele entra em conflito. Em outros casos, ele enxerga concorrentes, é o caso do Moro, do Dória e do Witzel. Todos eles, são vistos como adversários para 2022, quando Bolsonaro quer se reeleger”, explica.

Quem ficou

Apesar da debandada, Bolsonaro ainda conta com alguns apoios. No Congresso Nacional, a tarefa de defender o presidente ficou com os deputados federais Daniel Silveira (PSL-RJ), Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF), além dos filhos, Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) e o senador Flávio Bolsonaro (REPUBLICANOS-RJ). Este último, cada vez mais silenciado, diante das acusações de corrupção e a situação foi agravada com a prisão de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, em um sítio de Atibaia, no interior de São Paulo.

Silveira, Zambelli e Kicis fazem companhia a outros cinco parlamentares, todos do PSL, que são alvo de um inquérito do STF, sob a tutela do ministro Alexandre de Moraes, que pretende apurar a produção e disseminação de notícias falsas nas redes sociais. Outro investigado é Allan dos Santos, um dos fundadores do canal Terça Livre, que está pendurado no Youtube e funciona como uma linha auxiliar de Bolsonaro nas redes sociais.

Saiba mais.: Ministros decidem que fake news não é liberdade de expressão e STF mantém inquérito

Cláudio Couto não se surpreende com o perfil do espectro de apoiadores que se mantêm ao lado de Bolsonaro. “Os parlamentares que são bolsonaristas de carteirinha, ultra ideológicos , que rezam a cartilha do Olavo de Carvalho, são pessoas que se nutrem do extremismo ideológico. Consequentemente, elegem Bolsonaro como seu fuhrer, como seu líder de uma jornada de natureza neofascista, aí o acompanham em loucuras. Parte dos problemas que o governo hoje enfrenta, vem dos excessos cometidos por essas pessoas. Excessos que não são corpos estranhos ao bolsonarismo são inerentes a ele”, explica.

Para Rudá Ricci, os bolsonaristas que estão no radar do STF podem prejudicar, ainda mais, a situação de Bolsonaro. “A prisão dos fanáticos e agora com a prisão também do Queiroz, principalmente se prenderem a esposa dele, é muito provável que a situação do Bolsonaro se aproxime da situação do Collor.”

Em entrevista ao Brasil de Fato, a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), que chegou a ser cogitada para ocupar a posição de vice na chapa liderada por Bolsonaro em 2018, demonstra preocupação com o nível dos apoios que restaram ao presidente.

Eu gostaria que ele compreendesse que precisa se cercar de pessoas mais ponderadas, para conseguir terminar o mandato.

“Alianças, divergências, estremecimentos, rompimentos são naturais, não só na Política, na vida. Eu me preocupo com o acirramento dos atuais apoiadores do Presidente. A meu ver, isso não ajuda o governo e, por óbvio, prejudica o país. Cheguei a desconfiar da honestidade desses apoios. Não vejo sentido em atacar o STF e o Congresso como instituições, muito embora possa haver críticas e divergências pontuais”, pondera a parlamentar, que acredita no comprometimento da agenda política e econômica do país, diante da crise.

“Eu gostaria que ele compreendesse que precisa se cercar de pessoas mais ponderadas, para conseguir terminar o mandato. Esse acirramento crescente está destruindo o governo e prejudicando o país. Ele não precisa abrir mão de suas convicções. É possível ser fiel as pautas, sem agredir ninguém.”

Uma das articuladoras do pedido de impeachment que culminou no golpe que derrubou Dilma Rousseff da presidência, Paschoal aponta a saída de Bolsonaro da presidência como uma possibilidade. “Até ontem (19/06), não havia nada a justificar um impeachment. Mas quero ouvir as explicações sobre a prisão do ex-assessor do Senador Flávio (Fabrício Queiroz), na casa do advogado da família.”

Edição: Rodrigo Chagas