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Com menos sanções e inflação em queda, Venezuela quer dar adeus à crise em 2024

Otimista, governo aposta em atrair investimentos para indústria petroleira; analistas acham importante recuperar salário

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Para economistas, recuperar salários e fortalecer produção é essencial - Pedro Rances Mattey/AFP

Com menos sanções, inflação em queda e crescimento do PIB. Foi assim que a Venezuela se despediu de 2023 e iniciou o novo ano cheia de expectativas positivas para a economia. O otimismo do governo ficou evidente quando o presidente Nicolás Maduro ofereceu ao Parlamento a prestação de contas anual do Executivo na última semana.

"A Venezuela teve um crescimento de mais de 5% no PIB em 2023", afirmou o mandatário, alegando que "foi o maior crescimento da América Latina e do Caribe, outra conquista alcançada nos tempos de bloqueio". De fato, o índice anunciado pelo governo supera o previsto pela Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) e é considerado alto para a região, embora fique atrás de previsões como a da Guiana, que deve crescer mais de 39% em 2023 segundo a Comissão.

O presidente ainda prometeu mais crescimento para 2024, dizendo que o setor não-petroleiro está se tornando exportador e que, aliado à recuperação das capacidades produtivas da estatal energética PDVSA, deve trazer ainda mais divisas ao país. O alívio nas sanções anunciado pelos Estados Unidos em outubro do ano passado também deve estimular a indústria petroleira venezuelana, que pode voltar a acessar mercados internacionais e retomar investimentos estrangeiros.

Fortalecer o comércio exterior e arrecadar dólares é fundamental para o país, que sofreu com um processo de hiperinflação duradouro que golpeou duramente a moeda nacional, o bolívar, e assolou o poder de compra de milhões de trabalhadores. Nesse sentido, as flexibilizações cambiais adotadas desde 2020 permitiram a livre circulação do dólar no país, processo encarado pelo governo como positivo, mas provisório.

No Parlamento, Maduro disse que o país teve a menor variação do preço do dólar no segundo semestre, algo que teria se refletido na queda da inflação. Em dezembro, a Venezuela registrou o menor aumento de preços mensal desde 2013. Em termos anuais, o país fechou 2023 com um índice de 193%, segundo dados do Observatório Venezuelano de Finanças (OVF), entidade privada ligada à oposição. A cifra é uma das mais baixas dos últimos anos e menor do que a da Argentina, que assumiu a liderança no continente e fechou o ano com uma inflação de 211%.

Petróleo, crescimento e estabilidade de preços

Juntos, esses elementos parecem compor a estratégia do governo Maduro para tentar sair de vez da crise em 2024, se esforçando para equilibrar a recuperação petroleira, o crescimento econômico e contenção da inflação.

No entanto, economistas e especialistas na área apontam para as dificuldades presentes neste processo. Osly Hernández, jornalista venezuelana especializada na cobertura econômica do país, explica ao Brasil de Fato que, embora seja encarado pelo governo como temporário, o processo de dolarização foi responsável por conter o aumento nos preços e deve ser difícil de reverter.

"A primeira medida importante foi reconhecer que tínhamos que tornar o dólar acessível, ampliar o intercâmbio de dólares no país, porque o golpe que o bolívar recebeu foi tão forte que não era possível sustentar ou estabilizar a economia mantendo a moeda", disse.

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Neste contexto, ela afirma que o governo teve que tomar decisões consideradas drásticas e, muitas vezes, não planejadas durante os momentos de crise, como liberar o uso do dólar e apostar mais em parcerias com o setor privado nacional e estrangeiro.

"Se a renda petroleira seguisse no mesmo ritmo de 2012, não teria sido necessário transitar ao modelo misto. Isso não estava na agenda da revolução, é uma consequência de um ataque e, entre essa via e deixar os cidadãos desassistidos, o certo foi tomar essas medidas", opina.

Osly ainda destaca que, logo após as licenças gerais no bloqueio anunciadas pelos EUA, o país já anunciou novos projetos com empresas estrangeiras, como Chevron, Repsol e acordos para exploração de gás com Trinidad e Tobago e a holandesa Shell. A jornalista acredita que os resultados desses acordos devem ter impacto nos indicadores de 2024 e evidenciam o fracasso da política de sanções.

"A estratégia de estrangular a Venezuela economicamente e colocar o país em situação de desvantagem perante outros países não funcionou, ao contrário, fez aflorar uma criatividade política e econômica com uma quantidade de elementos que os EUA não previram", afirmou.

Recuperar salários

Se equilibrar os elementos macroeconômicos deve ser um desafio estrutural para o governo em 2024, do ponto de vista social a questão tida como essencial é a recuperação do salário mínimo para encerrar de vez a crise e retomar o caminho de crescimento. Isso porque as constantes flutuações do preço do dólar reduziram drasticamente o poder de compra de milhares de trabalhadores que seguem recebendo em bolívares.

Para proteger os mais vulneráveis, o governo vem ampliando os auxílios sociais através de aumentos dos chamados bônus, que estão indexados ao dólar. Na última semana, o presidente Nicolás Maduro anunciou que o "bônus de guerra econômica" sofreria um aumento, passando de US$ 30 para US$ 60 e, junto com o vale-alimentação, chegariam a US$ 100. No entanto, o salário mínimo segue sem reajustes desde abril 2022.

Ao Brasil de Fato, o professor de Economia da Universidade Central da Venezuela (UCV) Carlos Peña alerta para os riscos de passar tanto tempo sem aumento real nos salários, já que o pagamento de auxílios, embora necessário, não incide sobre direitos trabalhistas como fundo de garantia e 13º salário.

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"Existe a possibilidade de indexar o salário ao valor do dólar, mas se o governo for indexar ele primeiro deve aumentar o salário. Atualmente, o governo teme que um aumento indexado ao dólar gere inflação e sim, na teoria isso é possível, mas o ponto é o que fazemos para evitar isso", disse.

O professor ainda aponta para a influência de elementos políticos na economia, já que o país deve realizar eleições presidenciais em outubro. Para Peña, se o governo conseguir inspirar confiança poderá atrair investidores e parceiros, públicos e privados.

"De repente, o governo muda de política e começa a trabalhar de outra maneira com o setor privado, a gerar confiança, porque a confiança é um elemento fundamental para que a economia cresça. O papel do Banco Central é minimizar a incerteza e minimizar as expectativas. Então, se os agentes econômicos venezuelanos confiam no Banco Central e o Banco Central faz seu trabalho de manter a estabilidade da moeda, as coisas poderiam ir por um caminho mais ou menos bom", afirma.

Edição: Nicolau Soares