agenda comum

Foro de São Paulo: Latino-americanos e europeus debatem como frear avanço da direita

Reunida na Venezuela, durante a 25ª edição do Foro, esquerda busca formas de combater o conservadorismo

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Mini-foro entre América Latina e Europa ocorreu nesta quinta-feira (25)
Mini-foro entre América Latina e Europa ocorreu nesta quinta-feira (25) - Foto: Michele de Mello

Iniciou o XXV Foro de São Paulo, em Caracas, nesta quinta-feira (25/07), reunindo cerca de 800 delegados de 150 países, com diversas atividades e debates simultâneos.

Continua após publicidade

No mini-foro realizado entre as organizações da América Latina e partidos convidados da esquerda europeia houve um tema em comum: o crescimento da extrema direita no mundo.

Além da eleição de governos de ideologias conservadoras no lado de cá do Atlântico, como Sebastián Piñera, no Chile; Iván Duque, na Colômbia; e Jair Bolsonaro, no Brasil; do lado de lá pela primeira vez nesse século, a extrema direita voltou a ganhar maiorias.

::Vídeo | O que é o Foro de São Paulo?

Desde 2014, os partidos mais conservadores do velho continente têm aumentado sua expressão no Parlamento Europeu, saltando de 10,8% (81 cadeiras) a 15,8% (119 cadeiras) nesse ano. Também foi a primeira vez, desde a criação da União Europeia, que alianças de partidos da tradicional social democracia europeia não ocupam a maioria absoluta dos cargos.

Enquanto isso, as agrupações do campo da esquerda, perderam o pouco espaço que tinham no legislativo europeu, elegendo 41 deputados em 2019, 11 a menos que há cinco anos.

Para Maite Mola, vice-presidenta do Partido Esquerda Europeia, que reúne 35 organizações de 25 países europeus, uma das razões é a ineficiência da direita moderada e da esquerda.

“O crescimento da extrema direita se deve historicamente a situações em que as pessoas estão desesperadas e que nem a política de direita, que é majoritária, nem a pouca política que se faz desde a esquerda, porque somos minoritários, dão resultados que satisfazem as pessoas”, analisa.

 


Maite Mola: "Há uma grande ‘triviliazação’ da extrema direita. Precisamos tratar esse assunto com maior seriedade" (Foto Michele de Mello)

Crise migratória na Europa

Um dos temas centrais do debate político europeu é a crise migratória.

Atualmente cerca de 22 milhões de pessoas de outras nacionalidades vivem hoje no território europeu. Em 2018, 107 mil pessoas tentaram chegar à Europa de maneira ilegal.

Neste ano, 43 mil migrantes já cruzaram o Mar Mediterrâneo rumo à Europa. Os principais destinos são Grécia (22 mil), Espanha (15 mil), Itália (3 mil), entre outros países. Durante a arriscada travessia 2.277 pessoas morreram no passado e 669 neste ano.

A maior parte do fluxo migratório vem do Afeganistão, Síria e Líbia, países que sofreram com guerras comandadas pelos Estados Unidos e por países da própria União Europeia.

“Grande parte da migração rumo Europa foge de duas coisas: da pobreza e de conflitos armados. Nesse caso, a pobreza e os conflitos armados são a mesma coisa, porque o capitalismo está roubando recursos naturais desses países ou criando guerras artificiais para poder roubá-los”, denuncia a vice-presidenta do Esquerda Europeia.

Para Mola, a solução estaria no crescimento da esquerda em cargos institucionais e na criação de políticas igualitárias, focadas na integração e criação de empregos para europeus e não europeus.

Novas tecnologias como arma de difusão em massa

As vitórias recentes de partidos de extrema direita na Europa e no continente americano não acontecem por acaso. Além de situações objetivas como a crise econômica mundial, que criaram um contexto favorável à ideologia conservadora, a extrema direita também tem se rearticulado em torno de um projeto de retomada da hegemonia mundial.

Figuras como Steve Bannon têm viajado o mundo articulando think tanks, disseminando estratégias comunicacionais e eleitorais. O ex-guru de Donald Trump fundou o chamado "The Movement", que reúne jovens líderes de direita. O representante da América Latina é Eduardo Bolsonaro (PSL).

Bannon comemorou a indicação do filho do presidente para ser embaixador em Washington. Até porque, depois de perder a cadeira de conselheiro de Trump, ter um aliado como embaixador da maior potência econômica latino-americana nos Estados Unidos não parece um mau negócio.

O empresário também é fundador a Cambridge Analytica, empresa responsável por comprar dados de usuários do Facebook para criar perfis de eleitores, compradores, etc. -- dependendo do pedido do cliente.

 


(Imagem: Reprodução/Twitter)

“Primeiro de tudo eles também têm dinheiro. Põe dinheiro em big data, em comunicação e a esquerda não está à altura, porque seguimos com métodos muito tradicionais. Não gastamos dinheiro para ver quais mensagens deveriam chegar à população para contrapor as mensagens claras que emite a extrema direita. Eles mandam mensagens curtas, precisas e muito estudadas. Em situações desesperadas, essas mensagens são perfeitas”, considera Mola.

O BREXIT – acordo de saída do Reino Unido da União Europeia -- foi uma das primeiras experiências de uso da tecnologia, das redes sociais e da produção de fake news direcionadas como estratégia de campanha da extrema direita. Gerou-se uma das maiores crises políticas dos últimos anos no Reino Unido, que culminou na queda de Theresa May e ascensão de Boris Johnson como primeiro ministro.

Depois do primeiro êxito, a empresa voltou a ser acionada na disputa presidencial estadunidense de 2016, e, muito provavelmente nas eleições do Brasil, em 2018, já que existe uma série de indícios de que Bannon coordenou a campanha de Bolsonaro.

O próprio Eduardo Bolsonaro deu entrevistas, na época, afirmando que o marqueteiro de Trump ajudaria seu pai a vencer o PT.

"Bannon se colocou à disposição para ajudar. Isso, obviamente, não inclui nada de financeiro. A gente deixou isso bem claro, tanto eu quanto ele. O suporte é dica de internet, de repente uma análise, interpretar dados, essas coisas", disse o deputado federal em uma entrevista publicada pela Revista Época em agosto de 2018, há dois meses das eleições.

Para a líder de esquerda europeia, a militâcia deveria assumir as mesmas ferramentas para emitir mensagens sinceras. “Não deveríamos dizer às pessoas o que elas querem escutar, como faz a extrema direita, mas deveríamos dizer que se seguirmos com políticas como as atuais, nas quais políticos não pagam impostos, só pagamos os pobres, que cada vez trabalhamos mais horas, entre outras coisas, nós poderemos chegar às pessoas. E eles pelo menos terão essas duas mensagens e terão que decidir se apostam em políticas que há séculos estão sendo feitas e não têm resultado ou se escutam mensagens, que não são novos, mas que são reais. Não tenho nenhuma segurança que ganharíamos essa disputa, mas se não enfrentamos, vamos muito mal”, defende Mola.

Além da empresa de big data, Bannon também inaugurou há alguns quilômetros de Roma, em 2008, o Instituto Dignidade Humana, voltado para a formação de novos dirigentes cristãos e políticos de extrema direita no mundo.

Entre os objetivos da escola, está “afastar a maré radical que ameaça a dignidade humana, entendendo que o ser humano é criado a imagem e semelhança de Deus; e que o meio mais eficaz de salvaguardar esse reconhecimento é através da participação ativa da fé cristã da vida pública”.

A proximidade com o Vaticano também não é à toa. Representantes da Opus Dei, ala mais conservadora da Igreja Católica, também financiam a iniciativa, que já tem começado a apontar o Papa Francisco como um dos “maiores inimigos” das classes dominantes europeias.

Unidade como horizonte

Uma das conclusões do primeiro dia de debates do Foro de São Paulo é que a esquerda também deve se articular de maneira mais efetiva a nível internacional para poder combater o conservadorismo.

Ampliar a participação de movimentos sociais e sindicatos em foros internacionais, realizando atividades como a Assembleia dos Povos e superar as divergências internas da esquerda no mundo são desafios comuns levantados pelos delegados do Foro.

“Eu acredito que existe uma crise do sistema político de forma geral. Já vimos em vários lugares, como em Itália, que existem forças políticas novas que disputam o eleitorado pela direita. O famoso bipartidarismo desapareceu do cenário político. É uma crise do sistema que se soluciona com mais democracia. O problema é se vamos ser capazes de solucioná-la. Não podemos ocupar as instituições e não podemos abandonar as ruas. Devemos aceitar que somos diversos e não uniformes”, finaliza Maite Mola.

Edição: Rodrigo Chagas